terça-feira, 28 de julho de 2009

PARA SEMPRE










Vitinho e dona Martinha era o casal mais famoso da rua por suas brigas ao ar livre para toda a galera ver de perto quem mandava no “pedaço” .
Ela nem se lembrava do reumatismo, fazendo verdadeiras acrobacias com o cabo da vassoura no topete encrespado do maridão .
Na verdade não tinham motivos aparentes, pois Vitinho era um pobre homem de sessenta e cinco anos que não abria a boca para nada .E dona Martinha parecia tão dócil com sua expressão de avozinha caridosa, disfarçando toda a ira que guardava dentro de si .
Só que entre eles o bicho “ pegava” de uma tal maneira que até o olhar passivo de Vitinho lhe irritava profundamente .
Dizia que ele era preguiçoso e que nunca gostou de colocar o lixo na rua.Depois não aguava as plantas do quintal e ainda se fazia de surdo todas as vezes que precisava comprar o leite na padaria .
Mas para jogar dominó no meio da praça, era uma beleza ! Quando o primo Bidú batia palmas no portão ele se descabelava todo, colocando o chapéu para sair rapidinho na ponta dos pés .
Ah, este era o pior motivo de todos ; o mais poderoso e cabeludo !
Dona Martinha bufava de raiva porque o serviço da casa sempre sobrava para ela e já não tinha saúde para ficar dando brilho nos móveis.
Queria ver o dia que ficasse doente ...Ai sim seria tarde demais para as suas lamúrias .
Aquele “fanfarrão” só aparecia no finalzinho da tarde, justo no horário da sopa das seis, morto de fome e querendo beliscar o caldo com o miolinho do pão .
E era este tipo de ousadia que deixava dona Martinha louca da vida , resmungando com as panelas .
A vizinhança morria de rir com seus gritos neuróticos, desafiando Vitinho para uma briga .
Ele não tinha vergonha em ficar plantado num banco da praça, jogando conversa fora sem ter ao menos cumprido suas obrigações domésticas e blábláblá !
Depois se fazia de vítima, com o coração partido, dizendo que ele não era mais o mesmo da época da formatura :
- Como você mudou, Vitinho !- enxugava as lágrimas .
“Prefere ficar sassaricando por ai com o primo picareta, só de butuca nas mocinhas assanhadas que passeiam pela praça” .E ela, pobre mulher do lar se acabava no tanque, na pia e no fogão !”
Nisso Vitinho se fazia de surdo como que se nada tivesse acontecendo .
Só que a sopa das seis estava com os dias contados e se quisesse, que fosse preparar .Dona Martinha prometeu aos pés da Santa que passaria a pão e água, mas Vitinho também .Não teria mais um pingo de dó !
Pronto, tava feito a encrenca !
Cada um foi dormir em camas separadas e sem muita prosa.Ele ligou o radinho do quarto para ouvir as notícias enquanto ela fazia crochê embaixo das cobertas, se fingindo de morta .
Ele roncava alto e ela tossia.
Ele pigarreava e ela cantarolava, espiando por rabo de olho.E assim corria tudo bem até que numa manhã de domingo, daquelas que Vitinho estaria de prontidão a espera do primo assanhado , silêncio total .
Dona Martinha fez barulho com os pratos, gritou com o passarinho e fez de tudo para que o companheiro acordasse, mesmo que fosse resmungando, como fazia todos os dias .Mas desta vez, não !
Ela caminhou até a porta do quarto , esticando o pescoço apenas para espiar melhor .Foi quando pode constatar a agonia de Vitinho , gemendo de dor .
Pra quê ! Dona Martinha quase morreu do coração !
Começou a ficar desesperada, andando de lá pra cá, feito louca .Só que era mais um golpe de Vitinho, apenas para lhe chamar a atenção .
Explicava que era uma dor horrível, que vinha de trás para frente, fazendo um bolo aqui e ali ...E ela gemia junto, como que se sentisse o mesmo.
- Meu bebezinho, conta pra sua Martinha onde dói...
- É o peito.Não, acho que é o coração, minha pretinha.
- Quer que eu faça uma massagem de cima pra baixo...
- Só se for de baixo pra cima, minha preciosa.
- Vai mais para o canto, meu querido.
Quando toda a vizinhança conseguiu entrar no quarto, encontrou os dois abraçadinhos na cama, chorando baixinho com muito medo .Medo de se perderem um do outro, porque eram companheiros, namorados e cúmplices de um dia-a-dia maluco, mas que somente os dois conseguiam compreender .
Vitinho pediu um beijo ...Ela lhe ofereceu um café bem quente , do jeitinho que ele mais gostava e tudo foi se ajeitando .Logo mais teria o jogo de dominó na praça, as brigas de dona Martinha, o cabo da vassoura voando longe ...e todo um romance que começou há mais de quarenta anos atrás, onde apenas o amor sincero e verdadeiro consegue unir diversas emoções, fazendo de Vitinho e dona Martinha um casal cada vez mais apaixonado .E com direito a sopinha das seis, é claro .



Silmara Retti

2 comentários:

  1. Uma delício seu texto, como é boa uma leitura leve, escoa ao ouvido e fala ao coração, é mto bom ler vc, bjossssssssss!!!

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  2. Belo texto! Falando daqueles que são sempre esquecidos!

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