sábado, 6 de junho de 2009

Atentado ao Pudor



Quando a gente ouve uma história parece que só existem duas figurinhas principais.De um lado temos o inteligente, destemido e poderoso, chamado por todos de Santo Homem.Do outro lado, o dito cujo, mais conhecido como “coisa ruim”.
São os extremos: o bem contra o mal.O mocinho bonito versus o bandido decadente.E o mais ou menos? Este não é lembrado, coitado!
Gente comum, feito a gente, nunca virou herói nesses causos contados por aí...E foi assim, justamente assim, que Mansebo ficou conhecido por toda a redondeza, botando panca de vitorioso, como se nunca tivesse quebrado um copo sequer.Tinha carinha de sabichão, metido a justiceiro e na verdade era só mais um fofoqueiro daqueles, mexendo na lixeira dos outros, apenas para saber o que aconteceu de diferente.
Falava pelos cotovelos, mandava e desmandava sem dar recados. Tinha uma preguiça do caramba e gostava apenas de criticar, se sacudindo numa rede de balanço .Que raio de “mancebo” era aquele?
Ele era um líder revolucionário, que tinha idéias gigantescas, escritas apenas no papel.Exigia, com a boca cheia de blábláblá , um formigueiro muito mais dinâmico, fervoroso e moderno. Formigueiro, como assim?! Mansebo simplesmente era um formigo ilustríssimo que pregava aos quatro ventos que nada estava bem.Protestava, de pé, em cima de uma lata velha de goiabada:
- Abaixo o poder!Abaixo a pobreza! Abaixo a saia, o decote...Qualquer coisa! - Então, o que estava indo bem? NADA .
E o que Mansebo fazia de útil para melhorar?Nada.
Na hora do “vamos ver”, sumia do mapa.Revirava os olhinhos, assim ó, fingindo-se de morto. Pelo jeito não é só em gente que esta mania pega. De uns tempos pra cá colocou na cabeça que morar embaixo de uma árvore seca, naquele terreno baldio, não tava com nada!
Enquanto as outras formigas trabalhavam sem parar, o boneco bufava, palitando os dentes na sombra fresca.Ele tinha um milhão de projetos na cabeça e se você quiser saber, era só mudar o formigueiro do lugar.Por exemplo, para o açucareiro da pia.De quem? Da casa da vizinha, claro.Lá sim era um paraíso! Era uma mulher rica, que desperdiçava açúcar adoidado e teriam comida farta...E foi um fuzuê daqueles!
O formigueiro delirou de alegria com a idéia genial de Mansebo e resolveram fazer a tal mudança...Ele, muito bem acomodado num sofázinho de terra fofa, apenas dava as coordenadas:
- Fila indiana, rápido! UM, DOIS!Não parem.Coragem!
Bateu o olho num formigo forte, robusto, de perninhas duras feito tora e convocou o pobre rapaz para lhe carregar nos ombros.Saúvo ficou fulo da vida! Mas que ousadia era aquela?! Os companheiros concordaram na hora. Não custava nada levar o chefe no colo, afinal de contas Mansebo tinha as idéias; era o dono dos projetos e do tutano! E pra que serve os piões, se não for para servir os cabeções pensantes, hein ?
É a lei da Selva! A mudança durou um século.Saúvo precisou fazer mais de mil viagens.Era o servidor braçal mais forte, carregando toda a folga do mundo nas costas.Ainda falavam mal do coitado pelos cantos.
- Um preguiçoso, isto sim! – resmungava Mansebo.
Finalmente avistaram de longe a pontinha da tampa do açucareiro e foi um momento lindo! Com lágrimas nos olhos, jogaram Mansebo para cima, pegando embaixo, na maior festa.Vivaaa!
Primeiro pediram para Saúvo acomodar o poderoso no lugar mais confortável, pra depois acertarem os últimos detalhes.E ainda trepados nas costas do moribundo, que tremia de cansaço, mandou bomba!
Exigia que levantassem um monumento, no capricho, em sua homenagem .Claro, por que não? Nem precisava mandar.Mansebo já fazia parte da história daquele formigueiro feliz! Lembrado por todas as gerações como o herói do pedaço, o Santo Homem, o mais bravo dos bravos.E Saúvo? O que diziam daquele que suou a camisa para fazer a mudança trazendo o progresso para o formigueiro? Nunca ninguém disse nada sobre ele.Nenhuma lembrança.Ah, aliás, disseram sim.Era um formigo estranho, reclamava de tudo o tempo inteiro e nem era fotogênico. Seria mau gosto convidar o cafona do Saúvo para sair na foto, porque com sua carinha murcha e de pobre faminto, era capaz de queimar o filme, e isto sim,seria um atentado ao pudor.

Silmara Retti

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