segunda-feira, 8 de junho de 2009

Fogo na Brasa


Alfredo era um rapaz vaidoso por natureza e dormia em frente ao espelho com um pote de creme só para alisar aquele meio quilo de rugas que teimava em aparecer embaixo do olho, no canto da boca e no pescocinho de girafa.Mas tanto luxo assim era um prejuízo no orçamento e não resolvia quase nada.
Seu ibope estava por baixo e Alfredo continuava na maior secura do mundo, dormindo grudado com o cobertor e beijando a boca do cachorro, é claro.
Que desgosto! Antigamente aquele homem sexy que fazia tremer até a dentadura das avozinhas estava falido.
Mudou o corte do cabelo, fez cachinhos, depois puxou uma franja rala, porém serviu apenas de motivo para chacotas.
Agora havia se transformado num caco velho, amuado e pifado, que merecia respeito.Estava precisando de uma força e o momento era aquele!
A mulherada exigente não compreendia que um homem maduro também precisa de carinho para pegar no tranco e assim foi ficando passado, esquecido de vez.Teria que mostrar serviço antes que fosse humilhado em praça pública, como uma peça jogada no brechó.
Piscava para a vizinha, melava a voz para a dona da quitanda e rebolava descontraído na porta da padaria, mas aquela figurinha cafona já estava carimbada.E Alfredo se sentia carente, sozinho e abandonado!
Então acreditou que estava de caso sério com a televisão da sala, porque era a sua única companhia de todas as noites.Gritava com ela, metia a mão na sua “tela”e depois fazia as pazes, num chamego de dar dó.
Desistiu deste estilo.Pintou os cabelos, pregou um cavanhaque ruivo e grudou uma cola no dente quebrado, melhorando o sorriso maroto.
Não suportava nada que lembrasse a sua idade e mulher depois dos trinta, para ele, já era coroa.Gostava mesmo de carne durinha e de primeira.De pelanca, bastava as suas, muito bem amarradas dentro do pijama.Foi quando deu de cara com aquela menininha de tombar a peruca.Parecia a sua neta caçula, mas nem se incomodou:
- Besteira! Elas adoram um homem vivido.
Eduarda percebeu rapidinho o seu olho gordo e quase morreu de rir.
Quando chegou á sua casa reuniu toda a família só para contar que o tonto do Afredo pagava um mico para ela.Que piada!
A única pessoa que deu a maior força foi a Tia Contha, dizendo que Alfredo era um homem charmoso.Queria ver a sobrinha bem encaminhada na vida e ele era maduro, experiente e bonitão.
Tia Contha pagava pra ver! Armou um almoço de domingo, fazendo questão em conhecer pessoalmente o pretendente da sua fofa.
Caprichou na macarronada, na salada, na maionese, no pudim...
Deu um jeito personalizado na casa e ficou elegantemente sentada na poltrona com uma boa música na vitrola, enquanto Eduarda bufava de raiva.Foi quando Alfredo entrou com tudo, totalmente garboso dentro de um par de óculos que mais parecia um caixote de tomate. Ele soltou uma gargalhada elegante, já íntimo da família:
- Aqui estou!
Eduarda quase empipocou! Conhecia um homem com mais de 60 só pelo cheiro e aquele ali, com certeza, tinha sido coroinha na década de vinte.Encararam-se por um minuto e ele se fez de brotinho, requebrando no ritmo do som.O coitado não podia nem forçar o rebolado de puro medo que esfarelasse ao chão, virando pó tosquiado.
Tia Contha só estava de olho, suspirando com seus botões. Logo lhe puxou pelo cangote, querendo saber sobre suas verdadeiras intenções.
Ela não dava um tempo! Grudou como chicletes e Alfredo nem conseguia chegar perto da menininha.
Queria saber quem ele era, o que fazia e até mesmo o quanto ganhava.
Com tanto investigatório assim, Eduarda aproveitou para sair de fininho, deixando os dois a sós.Horas se passaram e a conversa rolava solta!Então Alfredo lembrou-se de suas noites de solidão e diante de uma dama tão cuidadosa, prestimosa e interessada, se conformou em mudar de rumo apenas para não sair no prejuízo, com a “barriga vazia”.
Bateu o olho no joanete daquele “dragão”, na sua cabeçona meio careca, na boca banguela e percebeu que lá no fundo aquela marmita enferrujada escondia um rango saboroso.Talvez meio frio, de terceira categoria, mas nada que uma boa brasa não pudesse requentar!
E tia Contha não negou fogo.Fez um belo caldo encorpado com direito a reprise e ainda teve energia pra lhe servir um mexidinho, no capricho!

Silmara Retti -

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