segunda-feira, 8 de junho de 2009

Filho MEU


Clotilde sempre foi uma mulher determinada, dinâmica e totalmente envolvida com o seu trabalho.
Pulava da cama logo cedo e lavava o rosto rapidinho, correndo como uma louca para pegar o ônibus lotado.Muitas vezes ia esmagada no meio do povo, com sua bolsa vazia de dinheiro, mas cheia de contas, dívidas e carnês a serem pagos no famoso dia 10.
Com um olho aberto e o outro ainda fechado de sono, amargava na boca o gosto do café rápido, enquanto terminava de trancar a porta do quartinho que dividia com Anacleto.
Ê mulher valente! Mesmo com a agenda lotada de afazeres ainda tinha tempo para sorrir, de bem com o mundo, dizendo que a vida só é dura pra quem é mole. E de moleza Clotilde não tinha nem um pouco.
Conseguiu comprar seu fogão, a geladeira e um radinho de pilhas que era o seu xodó.Anacleto também não dava folga no serviço, é claro. Ralava o couro até no domingo e com isto estavam com uma idéia estranha na cabeça: queriam ter um filho, para completar a harmonia da casa e uma criança sempre traz alegrias.
Tudo certo para a gestação do casal, isto mesmo, porque ele estava disposto a engravidar junto, planejando a cada momento a chegada do Poderoso, que não chegava nunca.E depois de alguns exames receberam a triste notícia que caiu feito uma bomba nos seus sonhos: Anacleto não podia ter filhos e foi um chororô danado!
Não tinham mais gosto pra nada e só podia ser castigo.Justo agora que as coisas estavam melhorando; aquele quartinho lambido e sem graça já estava dando lugar a uma nova construção.
Tanto trabalho assim foi jogado fora e Clotilde não tocou mais no assunto.Já não sorria como antes e fingia não ver Anacleto se acabando na melancolia.Sentia-se infeliz e o grande culpado desta história toda.
Achava que um filho era a continuação da pele e do corpo. E quando este corpo não consegue gerar vida, baú-baú, parece que tudo morre ao seu redor! Acaba a alegria, a fé, a esperança, fechando de vez as portas para o Amor ao próximo.
Mas não é qualquer amor, daqueles que a gente só sente com alguém do nosso sangue. É o amor que não tem limites, formas ou cores, e incondicionalmente livre de qualquer tabu.E Clotilde, como fazia toda as manhãs, com um olho fechado e o outro aberto, pode observar as crianças que também trabalham nas calçadas da cidade.Nos faróis, vendendo doces.Desta vez não tentou cochilar como antes.Não podia fechar os olhos, de novo, não.
Encarou cada rostinho faminto, opaco e órfão. Os bracinhos pediam colo e Clotilde voltou a sorrir naquele momento. Sorria e chorava porque eram crianças que só queriam ter uma mãe, sendo que ela só procurava um filho! E vencendo seus próprios preconceitos, Clotilde e Anacleto estavam grávidos, esperando com ansiedade a adoção de Marinho, um menino de seis anos que trazia com ele um motivo a mais para ser feliz. Porque é fácil amar o que é nosso, vindo de dentro e nós.
O difícil é amar o filho dos outros como se fossem nossos!

Silmara Retti

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