segunda-feira, 15 de junho de 2009

Novos Horizontes


Ninguém naquela casa se deu conta, mas embaixo do pé de laranja lima tinha um formigueiro que vivia aos trancos e barrancos, onde cada um falava uma coisa e fazia outra completamente inversa.
Não se entendiam e durante um século corriam atrás do progresso da comunidade, inventando leis para manter a Ordem, e leis para curtir a desordem.Que bananada! Era um tal de greve daqui, tapa na cara dali e só tinham medo, muito medo do castigo divino, que vinha a galope, não perdoando nenhum deslize; nada!
Eram beatos fervorosos, e como não ter fé se todos os dias o “deus” zanzava pelo quintal com sua vassoura enorme na mão, colocando ordem no mundo? Muitas formigas já foram esmigalhadas ali mesmo, enquanto zanzavam livres, leves e soltas.
Este deus não tinha piedade de ninguém.Tinha poder e apenas um nome: Seu Baldino, o dono da propriedade.
Só que para aquelas formigas xucras, ele era soberanamente absoluto com sua vassoura justiceira.Logo cedo varria tudo e todos, colocando ordem na casa.Na verdade ele era somente um professor aposentado que cuidava do seu quintal, nem desconfiando que lhe tinham como o deus da pipoca, da carne seca e do formigueiro.
Quando ele roncava na rede, tremiam as perninhas de pavor:
- Xí, o poderoso está irado! Lá vem bomba!
Mas quando ele, por acaso, esquecia um pedaço de goiabada no chão, gritavam de joelhos:
- Ah, aleluia! O deus está feliz.- Era um sinal de festa e toca o som!
Seu Baldino era o manda chuva do pedaço e nem sabia.
Quem inventou esta estória ridícula e cheia de mistérios foi o próprio Seribelo, um formigo terrorista que colocava fogo na lenha, assustando os outros com seu lero-lero da pesada. Era assim que conseguia por um freio no povão, para que tudo não virasse uma zorra.
Que cara de pau! Ele era um picareta e não gostava de pegar no batente.Não queria trabalhar, colocando toda a piãozada na roça, enquanto ficava de quarentena na cama, é claro.
Além de coçar dia e noite, ainda tirava dos trabalhadores o melhor que conseguiam durante horas e horas de labuta. O melhor torrão era o dele, o maior pedaço da goiabada e a também a sombra fresca.
E quando qualquer um tentava se rebelar, mais que depressa contava a mesma ladainha, lembrando os poderes do deus bravo que não gostava de arruaça, fazendo justiça com as formigas bocudas.
Pronto, era silêncio total! E tudo continuava no mesmo lugar: os pobres cada vez mais pobres e Seribelo cada vez mais folgado, numa boa!
A justiça de Seu Baldino era feita à base da vassourada, sem piedade.E quando estava muito irado, pisava firme com sua bota de couro preta, massacrando as formigas infelizes que faziam uma caminhada no final da tarde. Foi depois de um dia daqueles, de arrancar os pêlos, que o formigo Biézinho trouxe em cima das costas um pedaço de jornal, que mostrava uma paisagem diferente. Era um lugar lindo e parecia um Paraíso! No começo ficou ressabiado, com a pulga atrás da orelha, porque desde que nasceu sempre achou que o seu pé de laranja lima era o único do mundo.Mas ali naquela foto estava a prova dos fatos; também existia um outro lugar! Isto era o máximo!
Colocou a boca no trombone, se reunindo com toda o formigueiro num pronunciamento inédito.Subiu em uma lata de molho de tomate, dizendo para quem, quisesse ouvir que além daquele muro velho, existia muito mais que o quintal de seu Baldino.Existia um paraíso, de verdade, á espera de moradores vindos de todas as partes do mundo.
Para que pudessem conhecê-lo, teriam que vencer suas próprias barreiras, sem medo de se libertarem daquela história sinistra, que fazia de Seu Baldino o todo poderoso que nunca foi.
- Abaixo Seu Baldino! É o Apocalipse no formigueiro!
Para comemorar a grande Revelação do Século, comeram restos de marmelada e os maiores de idade, beberam nos gargalhos das garrafas a noite inteira.Enquanto as mocinhas arrumavam seus pertences pessoais, as mulheres mais velhas preparavam as trouxinhas com restos de alimentos e utensílios domésticos.
Os marmanjos estavam no comando, organizando o transporte para as criancinhas e os idosos, que já estavam muito bem acomodados em cima das folhas de abricó.Fizeram uma fila indiana e quando clareou o dia já estavam a caminho de uma nova terra, deixando para trás as lendas sem fundamento de Seribelo, que ainda dormia na rede, completamente perdido no tempo e no espaço.
Desejavam aventurar-se pelo mundo, superando as fronteiras do desconhecido, procurando a própria felicidade. Finalmente abriram os olhos em busca da luz do esclarecimento, que brilhava muito mais perto do que eles imaginavam. E sentindo a energia da vida cada vez mais próxima puderam avistar com clareza outras moradias, diversos quintais e novos horizontes!

Silmara Retti

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