sábado, 6 de junho de 2009

Carta ao meu pai


Pai, como o tempo passa...Parece que foi ontem que eu era uma menininha vaidosa, com um rabo-de-cavalo muito bem feito por minha mãe e usando um vestidinho de renda colorida que ela também criava na sua máquina Singer.
Você ainda tinha os cabelos negros, num topete sinuoso, deixando a mostra pouco mais de quarenta anos...Algumas pessoas poderiam achar que já era um “coroa”, mas um Super herói não tem idade. Super-herói por conseguir nos dar tudo de bom, numa luta diária contra o tempo, porque tínhamos pressa em viver.E com chuva ou sol, lá estava você carregando sua pasta marrom, aquela que deixava explícito que se tratava de um trabalhador de verdade.
Naquela época eu não conseguia entender essas coisas que a gente só enxerga quando cresce...Muitas vezes me revoltei, dizendo um monte de bobagens que hoje já nem me lembro mais...
Bobagens de uma garota que achava que tinha o poder de mudar o mundo.E eu tentei; fui além da minha época, desejando o que parecia impossível.
Com dezesseis anos bati o pé várias vezes: queria me casar com aquele que ignoravam por ser esquizofrênico.Depois disse que seria uma escritora de contos e crônicas.Que a minha foto, um dia, até sairia em jornais...
É pai, eu investi em tudo o que acreditava.Você me dizia que era loucura, mas eu fui feliz assim.Precisava fazer do meu modo, pois tinha um compromisso comigo mesma.
Casei-me contra a sua vontade e sei que sofreu muito.Faz muito tempo, porém depois disso, criou-se um muro entre nós...
Mas pai, a vida é assim e às vezes tomamos decisões que as pessoas não entendem.
Valeu como alicerce para que pudesse me preparar para outras surpresas da vida...E assim amadureci mais cedo, criando uma força interior que me impulsiona sempre adiante!
E você, mesmo não querendo, ficou ao meu lado.Com seu jeito tímido, quase mudo, porém eu sabia que estava ali.
Estava ali quando me presenteou com a minha primeira máquina de escrever, para que eu pudesse digitar todos meus poemas.Quando me ajudou a criar os meninos que também são seus! Quando escutou todas as minhas verdades, sempre sorrindo, quando na verdade queria chorar em seu colo.
Pai,desculpe a demora.Eu me perdi nos caminhos da vida, mas neste desabafo, um pouco tardio, só posso lhe beijar os cabelos branquinhos, o rosto traçado pelas marcas do tempo e dizer no seu ouvido: te amo, como naquelas manhãs de domingo que me colocava no seu ombro para assistir ao desfile de Sete de Setembro.Eu te amo por descobrir um bilhetinho seu, guardado durante anos numa caixinha antiga, chamando-me de filhinha amada. Escreveu no dia da minha I Comunhão e nunca teve coragem de me entregar...E te amo muito mais por ser único pra mim!
Hoje finjo não ver os seus 83 anos, puxados por um chinelinho surrado com muita dificuldade. Nem assim consigo abrir o meu coração porque pra mim é difícil falar, pai.
As lágrimas escorrem pelo canto dos olhos e prefiro ler esta carta para você.Quero lhe pedir que me proteja do Bicho Papão e que o Papai Noel me presenteie com um Milagre de NATAL , para que possamos ser felizes...só um pouquinho mais! Perdoa por tudo, pois ainda sou uma criança e preciso CRESCER. Pai me abraça!

Meu pai faleceu em 09/02/2006 sem conhecer esta carta, pois não tive coragem de lhe entregar.


Sua sempre sua,
Silmara Torres Retti

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