quarta-feira, 10 de junho de 2009

Livre para Voar


Quando Alaor deu um basta naquele casamento de araque fez questão, mas muita questão, em levar junto com seus pertences a pequena Ana, jurando de pés juntos que jamais lhe faltaria qualquer coisa. Se quisesse um pedaço do céu, com certeza lhe daria para que não se sentisse carente.
Com esta atitude, o ibope de Alaor subiu e todo mundo achava gloriosa sua atitude em assumir tudo sozinho; alugou um apartamento mobiliado e dividiu com Ana os melhores e os piores momentos de sua vida.Aliás, da vida dos dois, que agora era uma família completa.Mas é claro que uma mãe sempre faz falta, principalmente na educação dos filhos, no dia a dia e nas quatro paredes de um lar que precisa de um toque feminino.
A comida era enlatada, descongelada e requentada no forno microondas. A roupa ia direto para a lavadeira. Carinho era só o de Alaor, que se multiplicava em mil para cobrir Ana de paparicos sem faltar tempo para as horas extras no escritório, almoço de domingo e um ronco no sofá somente para repor as energias.
Ele tava envelhecido cem anos, cansado e cheio de olheiras, mas qualquer sinal de estresse sumia num estralar de dedos ao sentir o coraçãozinho de Ana colado ao seu.
Ah, isto sim deixava Alaor novinho em folha, de prontidão para suar a camisa, sem preguiça de desafiar os seus próprios limites!
Um era do outro. Era um super-homem, capaz de bombardear dor de dente, febre e pesadelo.Dava “miojo” na sua boca, trançava o seu cabelo e quando contava alguma história de ninar, era o primeiro a dormir.
Todas as estrelas eram de Ana.O sol, o mar e a terra.
E o papai era todinho de Ana, também.
Desta forma ela dominava inteiramente a vida de Alaor, sentindo-se a poderosa do pedaço.
Até que por obra do destino aquele homem que estava jogado para as traças foi descoberto por MARILÚ.No começo se fez de difícil; casto, quase donzelo, só que também tinha sentimentos e precisava de um outro alguém para reconstruir sua vida .Que tragédia! Ana teve um chilique mortal; esperneou, secou, sucumbiu e mil vezes disse NÃO.Não para a picareta da Marilú que queria roubar o que ela tinha de mais rico: o pai.
Todas as vezes que sentia o perfume daquela mulher sinistra armava o maior barraco. Era a única dona de Alaor e exigia, com um bico de dois metros, fidelidade eterna.
- Ou ela ou eu.- fazia birra.
Então Alaor fez a sua triste escolha, pedindo um tempo para Marilú.Mas agora quem estava infeliz, deprimido, cabisbaixo era ele.Sentia-se um prisioneiro do “amor” da filha e isto lhe fazia muito mal. Não tinha mais pick pra nada e desejava Marilú ao seu lado lhe dando uma força também.
Um dia, brincando na entrada do prédio, Ana achou um passarinho encolhido num canto, frágil e abandonado.
Não deu outra: agora ele era seu também.
Arrumou uma caixa de sapato, prendendo o pobre filhote dentro;
- Sou dona do meu pai e do meu passarinho. - pensou.
Era cafuné daqui e uma bituquinha dali, porém ninguém parecia feliz porque não eram livres para conquistar o próprio caminho.Não podiam voar e esta sensação de liberdade Ana não conseguia permitir.Por mais que se esforçasse nada estava bem.Seus prisioneiros adoeciam de tristeza.
- Que droga! - resmungava.
Não queria que fosse assim.O que adiantava aprisionar os seus sonhos se não lhes davam nada em troca, a não ser a obrigação de estarem presentes, mesmo querendo voar?Ana percebeu que ninguém é dono de ninguém.Foi até Alaor e lhe pediu, de coração, que buscasse a sua felicidade, decolando para outros horizontes.Depois buscou a caixinha de sapatos, abriu a janela da sala e libertou o passarinho daquele cativeiro infeliz.
Na verdade quem criou asas foi a sua própria alma, ao aprender que o amor, acima de tudo, não escraviza. Liberta! Não se impõe, conquista, pois somos somente donos daquilo que verdadeiramente cativamos.

Silmara Retti

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