domingo, 21 de junho de 2009

O catador de papel




Doutor Celsinho era um médico muito conhecido em sua cidade; bonito, rico e talentoso, mas com a estranha mania de catar qualquer papel diferente que encontrasse dando sopa por aí.
Poderia ser aquele papelzinho sujo, amarrotado num canto da calçada que mais que depressa, se abaixava sem cerimônia, fuçando rapidamente só para ler o que estava escrito.
Parecia louco e não conseguia disfarçar tamanha curiosidade, não sossegando enquanto não abrisse o embrulho, que ás vezes eram propagandas de cartomante, vidente ou mãe de santo.
Outras vezes eram anúncios mirabolantes de casas comerciais, lojas, açougue ou mercado.Lia cada um deles e depois enfiava no bolso da calça, levando para casa um bolo de baboseiras.
Dona Isabel queria morrer com sua “façanha”, achando mesmo que o marido já estava ficando caduco antes da hora:
- Mania de gente boba, isto sim!- dizia.
Mas relevava aquela esquisitice toda porque tinham dois filhos doentes e talvez fosse este o grande motivo que fazia de Doutor Celsinho um sujeito estranho. Paulo e Marcos já nasceram com problemas e passavam o tempo inteiro na cama, tomando remédios e tristes da vida!
Ninguém se conformava com a falta de saúde dos dois moleques, que tinham um pai rico e formado em medicina.
Só que doutor Celsinho conseguia curar de tudo, dor de estômago, enxaqueca, bebedeira, mau humor...
Apenas não conseguia curar a própria sina, sendo que do portão de casa para dentro era um simples pai indefeso diante da moléstia dos filhos.
Numa manhã chuvosa, resolveu dar um passeio até o parque para distrair um pouco as idéias, refletindo sobre sua vida.Ele caminhou alguns passos, encontrando um papel sujo de lama, todo amassado e caído no meio da calçada.
Ah, tava na mão! Precisava saber o que estava escrito.E se fosse uma carta de amor, um trecho de algum poema ou uma história engraçada? Rapidamente sentou-se no banco da praça na maior curiosidade.
Era um anúncio sem graça, escrito a mão mesmo por uma letra toda borrada por tinta escura.Anúncio de um catador de papel “de verdade”, que vivia de jornal, garrafa vazia, sarrafo de madeira Doutor Celsinho achou que podia ajudar o tal catador de papel e fez um “apanhado” em tudo o que tinha no fundo do quintal, colocando dentro do seu carro importado, com o endereço dentro da carteira.
Sua casa ficava num bairro distante dali, sem esgoto, sem água encanada e sem luz elétrica.
Já estava escurecendo quando seu Guilherme o recebeu com um olhar ressabiado e pediu que entrasse para negociar.Doutor Celsinho logo se apresentou, reparando nos cômodos de madeira, na mesa comida por cupim, no guarda-louça feito por caixotes e nas duas camas no cantinho da parede.
Então o pobre homem morava ali e decerto tinha filhos também, porque alguns brinquedos velhos estavam amontoados dentro de um saco de pano.Seu Guilherme lhe explicou comovido que Paulinho e Marcos eram a sua maior riqueza e ajudavam a catar papel junto com o pai.
Doutor Celsinho quase morreu do coração ao ouvir aqueles nomes tão conhecidos por ele. Tremeu por dentro, lembrando também dos seus moleques que tinham o mesmo nome e idade.
Que coincidência, meu Deus! Só que os filhos de seu Guilherme corriam de lá para cá, cheios de saúde, rindo alto de suas próprias travessuras.Podiam pular, empinar pipa e jogar futebol.Talvez não comessem queijos, frutas da época, doces requintados, mas eram livres e felizes.
Doutor Celsinho abraçou aquele catador de papel, com os olhos inundados d’água. Trocaria a sua mansão, o seu dinheiro e todo seu prestigio por um pedacinho do céu, onde o endereço era exatamente o barraco velho do Seu Guilherme.Ele sim era um homem feliz, muito rico e nem sabia!

Silmara Retti

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