sábado, 6 de junho de 2009

Escola da Vida




Dona Iracema só teve dois filhos nesta vida: Antenor e Walmor ; a dupla dinâmica da cidade .Andavam de braços grudados como comadres, de lá para cá, atazanando a vizinhança com suas brincadeiras infernais. Antenor era o mais velho e quando ficou mocinho logo se acertou num serviço para ajudar nos gastos da casa, sempre de plantão com seu jeito de filho dedicado e companheiro.
Tinha o maior xodó com dona Iracema e só faltava lhe carregar em cima da cabeça, levando a boneca para a consulta ao cardiologista ou a missa de domingo.Nunca pensou em casar porque já tinha a própria mãe na sua cola, mas ele fazia com gosto e jamais reclamou da própria sorte.
Antenor era uma belezura! Tirava a roupa do corpo para fazer de tapete e preferia viver sozinho, apenas para ter mais tempo para cuidar da família.Enquanto isto o pequeno Walmor engordava a cada dia; sempre robusto e com cara de mocinho rico , mas na verdade não passava de um grande picareta ! Explorava a dedicação do irmão até a última gota, não se fazendo de simplório, não senhor. Queria ser um doutor cinco estrelas, invejado por todos.
Antenor que se “esgüelasse” para lhe pagar tudo o que ele mereceria. Fez curso de inglês, computação, aula de ginástica e até corte e costura, as custas do outro, que fazia hora extra na firma para lhe dar do bom e do melhor.
Antenor era um homem honesto, vivido! Levantava ás quatro da matina com um “zóiudo” dentro da marmita e lá ia ele pegar o trem em rumo a mais um dia de trabalho.Nunca gastou nada consigo mesmo, investindo cada tostão furado no futuro de Walmor.
Dona Iracema sentia muito orgulho disto, mas temia pela felicidade do filho mais velho, pois ninguém consegue ser feliz se não investir em si mesmo; Walmor que se ralasse também para conquistar o seu lugar ao sol, caramba!
Só que ele era o bebezinho da mamãe e mesmo com 30 anos de idade parecia o boneco Gugu , vestido impecavelmente como o dono do Mundo . Estufava o peito, empinava a bundinha e saia pra galera, cheio de discursos decorados em frente ao espelho.Não queria ser pobre.
Falava muito bem o português e se achava o professor do ano .Todas as vezes que Dona Iracema falava alguma palavra errada, se mordia de tanto rir, corrigindo a mãe em voz alta para que todos percebessem a sua cultura;
- Não é “estrômago”, mamãe. Preste atenção!
Dona Iracema se sentia ridicularizada com a inteligência do filho sabichão e preferia viver “muda”.
Walmor se enrabichou com uma fulana ricaça e foi morar com ela num bairro distante dali, dando palestras sobre política, economia social e um monte de teorias que aprendeu nas escolas.
Como Antenor ficou na pior, o irmão mais novo lhe fez a proposta do século: - poderia ser o seu motorista particular. Quem sabe assim aprenderia muito, ouvindo os seus discursos sociais.Ele sentiu-se até envaidecido por poder colaborar, mais uma vez, com o progresso de Doutor Walmor .Usava um uniforme de linho azul escuro e quase nem se falavam, pois o “boneco inflável” levava uma vida muito corrida!
O final do ano chegou e assim Doutor Walmor estaria ocupadíssimo com suas palestras e bibibi-bobobó ...Desta vez falaria sobre a miséria do país e as dificuldades do trabalhador brasileiro .
Sabendo que seria um sucesso, convidou o irmão para que sentasse na primeira fileira, apenas para poder lhe ouvir de perto e assim aprender um pouco mais.Falou por três horas seguidas, explicando a sua mais longa teoria sobre a desigualdade social.Então a platéia aplaudiu agradecida por seus esclarecimentos e certos de que estavam diante de um “deus do trovão”, começaram a lhe bombardear com um monte de perguntas sobre o discurso.
- Êpa, não foi assim o combinado! - remoeu-se de raiva.
Ele se embaralhou todo, procurando rapidamente nos livros o que poderia falar.Então, muito irritado, apontou para Antenor, explicando que aquelas perguntas eram tão tolas que até mesmo o seu próprio motorista particular poderia responder.E Antenor, vermelho como quê, se levantou a pedido do “patrão”.
Começou a falar, com muita dificuldade e timidez, sobre o modo como batalhou para ser um homem de bem. Sabia perfeitamente como um trabalhador luta para alcançar seus objetivos e detalhou tudo o que havia aprendido na escola da vida.Com seu jeito simples, conseguiu expressar a sua experiência, sem teorias, sem papo furado, e por fim falou sobre a importância de ser honesto consigo mesmo e digno de sua própria consciência, fazendo o melhor de si para os outros .Sem medir esforços para servir de degrau na vida de alguém!
Walmor não conteve as lágrimas que brotavam no canto dos olhos, se sentindo um mero aprendiz. Levantou-se emocionado, sendo o primeiro a aplaudir ANTENOR de pé, porque naquele momento conseguiu aprender com ele o verdadeiro sentido da palavra sabedoria. Com certeza estava muito longe de poder ensiná-la a alguém, pois jamais a conquistou de verdade, de dentro para fora, do seu coração.

Silmara Retti

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