terça-feira, 9 de junho de 2009

E como tudo começou


Eu sempre fui uma menina estranha, cheia das graças, que ria de tudo ao meu redor.Ria muito mais das fantasias que costumava criar em torno de certas situações que com o meu tempero, ficavam mais divertidas.
Venho de uma família simples, sendo que minha mãe era costureira e o meu pai porteiro de gráfica.Morávamos num quintal com diversas casas, todas ridículas, praticamente com dois cômodos minúsculos que mal cabiam as nossas mobílias.Na época era um armário azul turquesa e um sofá de corvim malhado.Um mimo!
Adorava escrever estórias num caderno e procurava usar as palavras mais difíceis, procurando com cuidado no meu dicionário escolar.Quando viajava com os meus primos para um sítio no interior, passava horas criando minhas ladainhas que não deixava ninguém ver.Era um mistério!
Sempre fui muito sonhadora e amorosa até demais.Perturbava todo mundo com beijos estralados e com os meus abraços de urso.Deveria ser carência, porque tinha necessidade de carinho, de me sentir amada.
Na escola fazia questão em ser uma ótima aluna e até o colegial só tinha nota DEZ em tudo.Sentava na fileira do gargarejo e ficava de pé, para a ira da galera, todas as vezes que o professor entrava na sala de aula.As minhas redações eram as melhores e sempre lia em voz alta para o restante da turma, fazendo com que suspirassem de raiva por eu ser tão idiota.
Quando completei doze anos nos mudamos para a Mooca e vivi um romance enlouquecido que me sugou a própria alma!
Esqueci de mim mesma e fui muito feliz durante o dia e extremamente infeliz à noite.Era uma mistura de sorrisos, lágrimas e emoções.
Resolvi registrar aquela paixão em diários, que guardava embaixo do colchão.Dizia que quando ficasse mais velha o transformaria em livro.
De tanto que me lamuriava, o meu pai me eu de presente uma máquina de escrever e aí passava as noites em claro escrevendo, ao som de um radinho de pilha.
Naquela época não tinha essa coisa de “um real”. Éramos pobres e inventei de vender gelinho de groselha para ganhar um dinheiro extra.Mas como era muito criativa, logo levantei uma freguesia, montando uma equipe de vendedores; os moleques vendiam na rua pra mim e eu só ficava no caixa.
Depois fui tia de Perua.Sabe como é? Ia amontoada numa Kombi com um monte de alunos e ao chegar em suas casas, ajudava com a mochila.Que mico!
Com dezoito anos passei no vestibular de psicologia, sem ao menos ter feito um cursinho.Foi no chutomêtro mesmo.Mas para a minha decepção, não tinha dinheiro para pagar a FMI, uma Faculdade cara e que era longe de casa.Chorei como uma louca, cai numa depressão profunda, fiz greve de fome...
Os meus pais sofreram comigo, porém não teve jeito que desse jeito.Então prometi a mim mesma que nunca mais deixaria de realizar os meus sonhos.
Prestei um concurso estadual para ser funcionária pública e na minha prova de datilografia, enquanto minhas amigas digitavam a todo vapor, eu consegui escrever apenas três linhas, mas sem erros.Foi batata; eu fui classificada por um milagre da natureza.
Comecei a trabalhar no Posto de Saúde da Vila Maria e era uma anta! Chegava sempre atrasada com uma bolsa de viagem nas costas.Ali tinha um pequeno balde de comida, sucos, revistas e um rádio que erguia o volume no último, no programa do Gil Gomes.Pra quem não conhece, o Gil Gomes contava causos policiais num drama de fazer chorar lágrimas de sangue.E apesar da minha inexperiência, fiz bastante amizades .
Prestei um novo vestibular e entrei no curso de Letras.Tudo bem.Eu mesma paguei minha matrícula e todas as mensalidades.Só não sobrava dinheiro para os livros e o lanche na cantina.
Sem estresse! Tirava xerox dos amigos e estudava em casa.E na hora do intervalo, vendia desenhos feitos por mim para conseguir comprar uma coxinha.
Era uma picareta do caramba! Passava listas de Campanhas de Caridade: para os gatos abandonados, para os cachorros cegos de um olho, para as mulheres vítimas da guerra...E com isto levantava um fundo gordo que ajudava nas minhas despesas do mês.
Casei-me com 22 anos e ainda era uma criança.Mesmo grávida, com a barriga varrendo o chão, jogava taco até tarde no meio da rua.
Já tinha escrito o meu primeiro trabalho: “ESQUIZOFRÊNIA, O ÓPIO DA MENTE” e ele estava engavetado num armário velho.Não tinha mais tempo para escrever, porque vivia num romance mexicano .
Quando o Fábio morreu, em 1997, quase pedi licença pra ele, me enterrando junto no mesmo caixão.Tinha apenas 28 anos de idade e comi grama de tanto sofrimento!
Nisso parei pra pensar.O tempo não volta...Precisamos progredir...Então na mesma semana do seu falecimento, aproveitando o meu baixo astral, escrevi alguns poemas e mandei para diversos concursos literários.Fui classificada em todos e resolvi escrever “O LOUCO DA RUA ENCANTADA”.
No início era apenas uma crônica.Depois cresceu, se transformando em conto.
Queria que o nome dele ficasse conhecido; que as pessoas soubessem que o tal louco que tanto desprezaram, era um ser humano único e inesquecível.
Mandei textos para os jornais e o meu amigo Tony Luís, que já tinha um programa de sucesso na rádio, me convidou para contribuir com algumas crônicas que seriam interpretadas por ele.Que crônicas? Eu só tinha poemas de choromelas, tristes e deprimidos.Aí ele me deu uma dica:
- Inventa. Quero uma coisa alegre e vibrante!
E inventei, por quase dois anos.Foi super legal.As pessoas curtiam as crônicas, pois eram muito populares.São essas do site e que você terá a oportunidade de conhecer.
Mas o meu sonho de publicar o livro “O LOUCO DA RUA ENCANTADA” continuava engavetado. Concorri com ele no Mapa Cultural de Literatura e fui classificada a nível local e regional, representando Ubatuba lá fora.
Que máximo! Mas até publicar um livro, parecia muito distante...Nunca fui muito religiosa, pois questionava sempre.
Na verdade achava que Deus não ia muito com a minha cara; havia ficado bastante revoltada com a morte do Fábio.
Mas numa noite, enquanto voltava da padaria, comecei a conversar com Ele, lhe pedindo uma oportunidade de conseguir realizar o meu sonho.Fui dormir e no outro dia apanhei todo o meu trabalho, feito na máquina de escrever, e fui até a Secretaria de Educação de Ubatuba, pedir para que mostrassem aos alunos .Que ousadia, né?
O Secretário estava viajando e fui atendida pela professora Nirta Maria Noronha Mendes.Ela era professora de literatura e eu nem sabia.
Recebeu-me super bem e começou a ler os meus textos ali mesmo.Quando terminou, sorriu pra mim numa proposta irrecusável:
- Estamos envolvidos com o Projeto Furnas e Tom da Mata.Quer escrever algo a respeito?
Claro! Fui pra casa e me acabei na criação.Ao lhe mostrar o que havia feito; inúmeras cartilhas desenhadas com giz de cera, panfletos e textos educativos, me convidaram para ser a escritora do projeto em Ubatuba.E a minha maior remuneração foi o reconhecimento das pessoas.
Fui me envolvendo em outros projetos e graças a ela, ao professor Corsino e ao prefeito Paulo Ramos eu consegui transpor algumas dificuldades e superar os próprios limites.
Publiquei o meu livro na XVI Bienal Internacional, em São Paulo e firmamos uma parceria.
No ano passado publicamos a cartilha “Ambiente Vivo” e ainda tenho muitos projetos pela frente , porque o ser humano não morre quando deixa de existir, mas quando deixa de sonhar...Hoje continuo na luta e sei que tenho muito que aprender e principalmente a conquistar .
Este BLOG é um recomeço de um começo...e com certeza eu chegarei lá .Conto com você. Silmara Torres Retti

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