domingo, 21 de junho de 2009

O companheiro raivoso


















Divino aguardava o movimento do feriado nacional ainda de molho no sofá da sala, mostrando toda aquela banha para quem quisesse ver, totalmente conformado com sua própria desventura, ou seja ;
- “Bater um rango” na casa da sogra.
- Dormir até criar calos.
- Aturar a patroa suspirando no seu cangote.Isto sim era um porre!
Que feriado, que nada.Para ele ia ser mais um final de semana enjaulado no lar doce lar, que na verdade era pior que o Pavilhão 09 do Carandirú .
Os amigos da firma iam para o futebol, para a pescaria ou para a festinha na sauna.Ninguém era otário feito Divino que teria que se conformar com a companhia calorosa de Bertina , a esposa mais querida do mundo!
Ela estava feliz ao lado do fofo, cantarolando alto todas as músicas da novela das oito e fazendo boquinha de “tigresa marota”, com seus cinqüenta e oito anos muito bem ralados.E manda charme!
- Este feriadão vai ser ótimo para discutirmos a relação, Baby! Você vai adorar a minha companhia...Foi caprichar, meu lindo!
Rebola daqui, remexe dali e Divino não levantava nem o cílio superior.
Bertina sentiu-se arrasada com tamanha indiferença e pôs-se a chorar, despencando das tamancas .
Foi assim que o bonitão teve a idéia do século, matutando uma maneira de mandar Bertina passear.Se ela ficasse bem longe dali, poderia beber todas no bar do Zico, cair de cara no forró do Brás, totalmente leve e solto!
Seria esta a forma de mostrar para os amigos que nenhuma mulher lhe colocaria no cabresto.
Era só passar uma saliva na mulher para depois sair pra galera!Contou até três, colocando o seu plano na ativa.Encarou a vítima pasmo de susto;
- Meu Deus, como você esta esverdeada, feia e abatida!Precisa ir para a Santa Casa imediatamente!Talvez seja uma anemia corrosiva ou uma doença em estado terminal...
Não deixou nem que a pobrezinha falasse nadica de nada. Mais que depressa apanhou o conjunto de malas para viagem, arrumando todas as roupas de Bertina, com lágrimas nos olhos.
- A sua saúde em primeiro lugar, meu bem!
E com uma bagagem suficiente para as quatro estações do ano, a infeliz deu entrada no hospital sem saber de nada.
ALA CINCO - QUARTO DOIS.
-Ora, tudo começa assim: sem nenhum sintoma, sem queixas, para depois se transformar em uma epidemia fulminante.- dizia com ar de preocupado.
Ela fingia sorrir, chorando.Ele fingia chorar, sorrindo!
Finalmente a sós! Acompanhou a enferma até o seu alojamento, carregando todas as malas nas costas e para bancar o herói fez questão de pegar Bertina no colo, numa entrada triunfal até o seu leito de morte. Pensava com seus botões:
- Segura, pião! Jogo, sexo, mulheres...De-lí-cia!
Enquanto desfilava pelo corredor do hospital com aquela mala sem alça no muque, revirava os olhinhos na maior felicidade. Ufa,era demais para o seu pobre coração!
Já estava pronto para o ataque, usando sua cueca de oncinha .Quanta euforia!
Jamais pensou que fosse se divertir tanto assim, deixando Bertina a quilômetros de distância. Só que de repente foi sentindo uma queimação por dentro...
- Eram os hormônios que estavam em festa.- pensou.
A boca secou...
- Era a sede da cachaça, é claro. – resmungou.
Uma tontura esquisita e BUM!Caiu para trás feito um pé de quiabo murcho.Tudo isto deveria ser de emoção em saber que logo estaria solto no mundo, mas quando ia levantar a bandeira em sinal de liberdade, desmunhecou na cama primeiro que a própria doente.
Corre daqui e socorre dali!Divino teve um piripaque fulminante, tirando o lugar da própria Bertina, que precisou ocupar o leito ao lado.
- Que maridão bacana! Isto sim é lealdade.
Ela parecia feliz da vida em dividir com Divino todos os momentos difíceis, principalmente naquele feriado a dois, separados apenas por um tubo de oxigênio.
Bertina nunca pensou que poderia contar com tamanha devoção assim, expressa num ombro amigo e acima de tudo um companheiro fiel que soube estar presente naquele suplício de dor.E Divino era um paciente impaciente, enjoado que chorava e gemia o tempo inteiro...Mas não era de dor.Era de raiva!

SILMARA RETTI -

Nenhum comentário:

Postar um comentário