terça-feira, 9 de junho de 2009

João de Ninguém


Quando eu ainda era um menino, caminhava pelas ruas da cidade a procura de um presente que fizesse o meu pai sorrir.Tinha que ser um sorriso mágico, capaz de transformar um instante anônimo, em uma lembrança alegre e querida.
Mas o meu saquinho de moedas continuava vazio e para fazer muito barulho todas as vezes que pisava firme, coloquei dentro dele algumas tampinhas de refrigerante.
Pensei em comprar um cordão de ouro, só que a nossa casa não tinha porta e qualquer um poderia roubar.
Depois ele era um homem simples e talvez não gostasse de tanto luxo assim e porque nem usava sapatos de verdade.
Veio fugido da seca, trazendo consigo seus sonhos de chuva.Contava-nos histórias de coragem, luta e muita determinação.
Quando chovia aqui, chorava de alegria, dizendo que éramos ricos, por termos esta dádiva da natureza.
Tínhamos uma cumbuca de farinha e um armário de um pé só, que guardava um prato para cada filho.Nunca passei fome porque me ensinou a ser um homem trabalhador, mesmo ainda sendo uma criança.E antes de escurecer, estávamos reunidos ao seu redor, pois éramos uma família completa .
A vizinhança nos conhecia há muito tempo e me chamavam de João do Morro, do Barraco, do Severino.
Era João de muitas coisas e de muita gente também.
Exatamente por isto me sentia o mais rico de todos.
Pensei nas mais diversas riquezas, mas eu não poderia comprar.Então lembrei que nada seria tão precioso para o meu pai do que o barulho da chuva caindo sobre o nosso telhado.Para ele era o sentido da vida e um grande motivo para ser feliz!Ajoelhei-me num canto e fiz uma oração demorada, quase sem fim.Queria ver as plantas colorindo os gramados, a cidade molhada semeando comida e a nossa esperança refletida num sorriso sertanejo a procura de progresso.
De repente começou o barulho dos primeiros pingos escorrendo por todo o meu corpo.
Era pra você, meu pai.Era um presente prateado, de tanto valor, que nenhuma moeda valiosa poderia comprar.
Corri para um abrigo, observando cada canto renovado pela chuva sublime que lavava a alma de toda a cidade.
Foi envolvendo os espaços vazios, numa correnteza forte que levou consigo as pedras, as ruas e as casas! Fez-se um rio tão bravo que levou até os nossos sonhos de uma vida melhor.
Aquela enchente inundou os meus olhos d’ água e só pude sentir a tristeza da perda. As lágrimas daquela gente passavam como ondas diante de mim e eu não era mais aquele menino que se sentia o mais rico de todos, porque havia acabado de perder o pouco que possuía.Não era mais o João do Morro, do Barraco, do Severino.
Havia me transformado apenas em João. JOÃO “DE NINGUÉM” !

SILMARA RETTI

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