quarta-feira, 24 de junho de 2009

O Menino Vidente

















Dona Francisca morava numa casinha simples com quatro filhos e para cuidar de todos tinha que rebolar miudinho, mas era uma mulher de pulso firme e nunca deixou a peteca cair .
Foram criados como que se fossem os filhos do patrão e Peninha , seu moleque caçula, sempre foi muito miudinho com pernas finas e esfoladas de tanto trepar na goiabeira .
Quase não abria a boca e morria de medo dum pedaço de cinta que a mãe guardava atrás do armário .Só que de uns tempos pra cá parecia esquisito , cheio de mistérios e não queria ficar sozinho um minuto sequer .
Enquanto dona Francisca fazia os afazeres domésticos, ficava enrabichado debaixo de sua saia , feito bala de goma .
- Que menino bobo! - resmungava, ordenando que fosse brincar no terreiro .
Porém Peninha começava a chorar dizendo que não queria sair ao seu lado de modo algum .Nem se importava com o pedaço de cinta e poderia até lhe bater ( se quisesse) porque sentia muito mais medo dos “fantasmas brancos” que perambulavam por aí .
Cruz Credo ! Se Dona Francisca já era mística, cheia de badulaques no pescoço e medalhinhas da sorte, não teve dúvidas : seu menininho magrelo era um ser iluminado, um vidente ou talvez um SANTO .
De repente tudo mudou e não demorou muito para que fizessem fila na sua porta querendo apenas uma consulta com “Mestre Peninha ” , que estava todo perfumado por incenso numa poltrona confortável doada por um comerciante do bairro .E queriam saber tudo: se a mulher saia com o padeiro, se ganhariam na loteria e se faria sol ou chuva no final de semana .
Peninha resmungava de raiva porque não conseguia enxergar nada disto , apesar que via o tal fantasma branco acompanhar cada pessoa .
Dona Ritinha tinha certeza que era o sogro falecido e Seu Almir arrepiou-se todo dizendo que se tratava do tio português que havia morrido afogado...Peninha não dizia nada, pois não tinha tempo nem para respirar .
Ganhou tanto presente que sua mãe distribuía para as outras crianças e o restante guardava num caixote velho; era livros de magia, turbantes de cetim, medalhas...
Sua fama correu por toda a redondeza e comentavam numa só voz que aquele menino trazia sorte, muita sorte.
Construíram um Altar para que pudesse ser colocado e tocado durante as horas do dia .
Conta a lenda que Mestre Peninha curou uma gastrite aguda, uma crise de nervos e mal olhado, sem cobrar um tostão . A galera gritava seu nome enquanto ele continuava rodeado por velas de todas as cores :
- Mestre Peninha, olhe por nós !
E ele olhava, faiscando de raiva .Queria mesmo trepar nas árvores, correr atrás das galinhas do quintal, chupar laranja deitado na rede ...Só que sua vida tinha mudado e nem podia mais usar o seu querido e idolatrado chinelo de dedos .
Parecia uma empadinha embrulhada para viagem, com sua túnica dourada que lhe fazia tostar de tanto calor .
- Levita, mestre Peninha ...Voa com seus poderes !
Até que numa tarde Doutor Jair Gomez bateu palmas em sua porta pedindo uma senha para se consultar com o menino vidente .Aguardou pacientemente duas horas de espera e quando chegou a sua vez, apenas levantou uma placa com algumas letras coladas :
- Me diga garoto o que você consegue enxergar aqui ...
Mestre Peninha foi taxativo e disse que só conseguia ver vultos esbranquiçados .Então Dr. Jair sorriu aliviado por saber que não estava diante de um sabichão curandeiro ...
- Mestre Peninha não é vidente coisa nenhuma. Ele precisa apenas usar óculos !
Foi um reboliço danado e as pessoas rasgaram suas senhas, indo embora .
- Picareta de uma figa!
Deste dia em diante o menino vidente estava muito mais feliz, sem consultas e sem fantasmas ...Somente com seu óculos novo e no seu mundo de fantasias continuava a ser mestre em conseguir pendurar-se no último galho da goiabeira .
Na verdade Peninha nunca curou ninguém, mas com certeza o povo tinha o peito banhado em fé, fazendo suas próprias curas e transformando esta energia no milagre da VIDA .


Silmara Torres Retti

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