sábado, 6 de junho de 2009

Boneca Viva

Desde que Simone se conhecia por gente o seu pedido era uma Ordem e qualquer desejo, virava Lei.
O que Simone não pedia sorrindo que dona Janete não fazia chorando, hein? Era uma menina rica, vaidosa e poderosa.
Acreditava que o mundo girava ao seu redor e que as pessoas tinham a obrigação de lhe agradar. Brincar na rua de pega-pega com a molecada? Nem morta. Dizia ser chique demais para amassar o vestido por qualquer motivo bobo, mas a sua grande paixão era uma coleção de brinquedos empacotados e armazenados num quartinho no fundo do quintal.
As bonecas ficavam enfileiradas na prateleira de cima, impecavelmente arrumadas com roupas de festa.Eram bonecas de categoria e ficavam ali a sua inteira disposição. Quando ela não tinha mais nada pra fazer, se entocava no quartinho apenas paquerando de longe cada uma delas. Nem respirava perto só de medo que pudesse despentear seus topetes repletos de laquê. Durante anos aquelas bonecas continuaram no mesmo lugar, esperando um abraço que nunca sentiram; um carinho que nunca tiveram e uma alegria que Simone jamais conseguiria oferecer!
Então, serviam pra quê? Para ocupar espaço nas prateleiras e na vidinha aguada daquela garota sem graça.Sabia de cor e salteado o nome delas, o jeitinho de cada uma e principalmente o preço.
No meio de tantas, tinha uma em especial. Que charme! Era uma boneca importada, cheia de badulaques e roupinhas da moda.Usava uma gargantilha com o seu nome gravado em inglês: Sheron. Ah, quanto deslumbre! Sheron estava ali, plantada, desde o ano passado e tinha um par de olhos azuis cativantes.Mas eram tristes demais! Permaneciam abertos em direção a janela, como se quisesse ir embora dali para bem longe.
E por que uma boneca tão preciosa assim desejaria morar em outro lugar? Simplesmente porque se achava inútil. Não tinha amiguinhas, não saia da prateleira e não podia brincar com ninguém.
Apenas servia de enfeite e isto era muito chato para uma boneca como ela. Apesar de ser a preferida de Simone, sentia-se desprezada; morta e sem vida.Não encontrava sentido em continuar nesta monotonia e com o tempo a pequena Sheron começou a ficar doente.
Como assim??! Isto mesmo. Não parecia mais graciosa como antes.Da noite pro dia perdeu o brilho e a beleza física.
Estava estranha, com o rostinho amarelado, quase esfarelando.
A menina que conhecia Sheron só com um olhar, percebeu que estava acontecendo alguma coisa diferente.Passou a fazer suas visitas diariamente, reparando com desespero o definhar da pobre coitada.Nossaaaa! Sheron estava um caco. Não demorou muito para que lhe caísse os cabelos e Simone teve um treco.
Ah, assim era demais! Sheron estava ridícula com dois fiapos na cabeça; tornou-se feia de dar dó e estragava todo o visual da prateleira!
Simone resolveu dar um fim naquele trapo velho antes que ela contaminasse o ambiente com o seu baixo astral.
Pobre Sheron, ela teria que se conformar com o seu triste fim. Foi bom enquanto durou e agora os tempos eram outros. Imediatamente ordenou que a arrumadeira se desfizesse daquele entulho amarrotado, jogando a boneca no lixo.
Enquanto dona Nair levava a coitadinha embora escutou o barulho da batida de um coração pulsando no peito de plástico da boneca.Ela soltou um grito de medo, se benzeu assustada e atirou o saco pela janela.
Durante dias Sheron ficou largada no cantinho da rua debaixo de chuva e de sol. Estava muito mais acabada que antes.
Foi então que uma menina ali do subúrbio avistou Sheron e foi amor a primeira vista. Para ela, era a boneca mais linda do mundo, e agora seria todinha sua!Sua companheira, amiga e confidente.E assim abraçou com força os seus bracinhos de borracha.
- Ah, linda! Está com frio, é? Vou cuidar de você.
Naquele momento Sheron sorriu por dentro e sua beleza refletiu para fora.Não estava se sentindo doente.Sentia-se amada! O calor do colo de Sofia lhe reviveu as cores e estava mais linda que nunca.
Na verdade só somos felizes quando nos sentimos capazes de fazer alguém feliz, e assim renascemos para o mundo, muito mais bonitos e confiantes que o Amor é a força da vida.

Silmara Torres Retti -

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