segunda-feira, 15 de junho de 2009

Noite FELIZ












Ambrosina sempre foi aquela mulher sonsa, mortinha da Silva, que se fazia de peixe morto só para viver em paz.Nunca falou sobre política, religião e futebol. Nem sonhando!Para ela tudo estava bem e de bom tamanho.Preferia ser assim; escondida atrás do muro com suas opiniões secretas, guardadas a sete chaves apenas para não atrapalhar o desenvolvimento da humanidade.
Zitinho achava tudo isto o máximo.Azar dela em ser assim e sorte sua em ter uma esposa besta quadrada.Deste modo ele era o único que aparecia na fita, disposto e cheio de filosofias baratas sobre as coisas da vida.Tinha as repostas na ponta da língua e o que ele não sabia de verdade, inventava na maior prosa, é claro!
Com este babado todo fazia um sucessão no boteco do Almir, no jogo de buraco, no forró do Abreu...Sequer admitia a singela existência de Ambrosina, ignorando de vez o quanto ela ralava para deixar tudo nos trinques para o bonitão ir para a galera.
Sempre garboso e bem emplumado, parecia o Rei da Farofa e durante o ano inteiro os dois pombinhos serviam lanche numa barraca que tinham comprado a duras penas. Graças a este patrimônio, Zitinho andava na maior estica, enquanto a outra parecia sua escrava de plantão; não tinha amor próprio e permitia servir de chacota para a cidade toda.Cabelo escorrido feito macarrão, cheirando alho e óleo, esperava incansavelmente que um dia o poderoso Zitinho reconhecesse o seu valor e lhe tirasse do tronco, com uma carta de alforria.
Só que não seria Zitinho que a libertaria daquele clausulo, pois Ambrosina era prisioneira da sua baixo-estima, do seu desafeto e da sua babaquice.Ninguém merecia viver assim, na escuridão do mundo, para que outras pessoas pudessem brilhar sossegadas.
Uma mulher é um ser completo, com idéias, desejos e sonhos.Jamais deve se menosprezar, feito Ambrosina.
Por felicidade do destino a barraquinha de lanches tava indo de vento em popa.Final de ano estava chegando e o natal, ah o Natal, era só presentes, para Zitinho, lógico!
- Um relógio a prova d’água.
- Cuecas de cetim.
- Calça de prega.
Só que pela primeira vez na vida ela deu uma espiada nas vitrines da cidade, crescendo o olho e fazendo charme:
- Olha lá bem, que formosura de vestido!
- Calada! Sou um marido pobre.
E lá ia ele carregando sua lista de presentes pessoais:
- Gravata borboleta, sapato bico fino, perfume de jasmim.
Foi quando Ambrosina tentou dar um miado, ainda meio fraco, saído do funda da alma:
- Zitinho, olha que sandália fofa...
- É verdade, vou levar para a minha prima do interior e mande embrulhar, no capricho.
Ambrosina quase caiu dura diante de tamanha cara de pau.Assim era demais! Zitinho estava subestimando sua inteligência e duvidando que ela pudesse raciocinar em algum momento.O boneco nunca teve nenhum parente no interior...
Daquele dia em diante resolveu riscar o seu nome do dicionário.Prejuízo, nunca mais!
Passou a mão nas economias, raspando até o fundo do tacho e foi ás compras, feliz da vida.Tirou a barriga da miséria, arrebentando a boca do balão:
- Brincos de prata, saia rodada, tamancos de madeira...
E para brindar a chegada do Natal, o seu melhor presente( o mais valioso de todos) foi a cara assombrada de Zitinho ao encontrar um Papai Noel sarado, de sunguinha vermelha , debaixo da própria cama .Este presente Ambrosina deu para si mesma, garantindo uma ceia vitaminada e com certeza uma Noite Feliz, muito feliz!


Silmara Retti -

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