sábado, 6 de junho de 2009

Deixe-me Viver


Eu estava brincando de ciranda com outras crianças no nosso jardim florido quando fui chamado para mais perto do canteiro de camélias.Sentei-me no banquinho de madeira e com o peito ofegante de alegria recebi um convite muito especial: nascer de novo!
Minha mãe era uma menininha que usava um uniforme colorido todas as vezes que ela fingia ir ao colégio.Exibia um sorriso maroto sempre que fumava escondido e um olhar inocente quando lhe perguntavam sobre os homens que conhecia na cama.Tinha um corpo bem feito e um ventre quentinho que poderia me abrigar nas noites de inverno.
Depois usaria roupinhas de tricô confeccionadas por uma avó coruja e totalmente apaixonada por mim.Nisso meus olhos profundos se tornaram rasos d’água e chorei de emoção. Uma família de verdade me aguardava em algum lugar e não poderia decepcionar ninguém.
Eu era uma boa menina e só precisava de um colo protetor, de uma canção de ninar e de uma mãe que velasse o meu sono.Em um minuto apenas planejei tudo.
Nove meses seriam uma eternidade e quando o meu choro se misturasse ao seu, seríamos amigas para sempre.
Nasceria no final do século, trazendo comigo a esperança de uma Nova Era.Poderia me tornar uma líder revolucionária, uma profissional dedicada à cura de várias doenças ou simplesmente uma criança feliz.
Respirei fundo já sentindo saudades daquele pedacinho de céu.Já havia aprendido a amar aquela mãe que seria a melhor de todas, mas ao chegar no final do gramado, onde podia observar as outras crianças acenando para mim em sinal de uma boa viagem, um tio meio grisalho segurou a minha mãozinha tremula e pediu para que eu voltasse para o nosso jardim florido.E com um olhar mais triste que o meu, murmurou:
- Sinto muito, sua mãezinha era uma criança que recusou a uma outra.Como que se fosse uma brincadeira, ela acabou de desistir de você. Talvez um dia ela consiga lhe assumir de verdade.Vamos acreditar!


Nisso abaixei a cabeça para disfarçar o pranto e segui de volta o meu caminho, já sentindo saudade de tudo que poderíamos ter vivido juntas, sonhando um novo regresso.

* Á minha filhinha do Céu.

- Silmara Retti

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